Conectando teoria e prática.
Cada vez mais, eu tenho visto designers em atuação se reaproximando de repertórios e formações mais acadêmicas — e eu, particularmente, acho isso maravilhoso.
Junto com esse movimento, vem também uma inquietação efervescente:
Como colocar em prática toda essa bagagem recém-adquirida?
Enquanto alguém que tem tentado fazer essa ponte sempre que possível, reuni aqui algumas reflexões (e não respostas, pois quem sou eu na fila do pão científico) que podem tentar humildemente iluminar caminhos de corações e cérebros inquietos como os meus.
Métodos de pesquisa: o elo mais direto
Se existe um ponto em que academia e prática se encontram sem grandes ruídos, é nos métodos.
Revisão de literatura, benchmark, análise competitiva, testes de usabilidade, entrevistas, grupos focais — tudo isso saiu das universidades e ganhou espaço, versões e adaptações nos times de produto e design.
Beber de referências acadêmicas para desenhar pesquisas e pensar métodos refina a qualidade e o rigor das entregas, além de criar um repertório de argumentação mais sólido para defender decisões e propor melhorias.
Nesse outro artigo que escrevi sobre saturação teórica em pesquisas qualitativas, falei um pouco sobre como provar metodologicamente qual o papel de amostras pequenas.
Pesquisa qualitativa: Provando que amostras pequenas são suficiente
Alguns temas acadêmicos, por sua vez, têm uma conexão mais direta com o cotidiano do design.
Estudos sobre comportamento diante de novas tecnologias, por exemplo, podem ser imediatamente úteis se você trabalha com produtos digitais ou inovação. Nesses casos, a transposição é quase automática:
- Você lê sobre um padrão de uso, eJá imagina um teste ou uma hipótese para validar com seus usuários.
Outros estudos podem ser:
- Levantamentos sobre níveis de maturidade de diferentes empresas em design system.Revisão de literatura sobre aplicação de análise heurística.Estudo de caso dos impactos da iconografia na sinalização espacial.
A escolha do objeto de estudo da sua pesquisa acadêmica faz toda a diferença — quanto mais próximo do seu escopo de atuação, mais fácil será enxergar caminhos de aplicação.
Tornando a discussão coletiva
As discussões mais teóricas — ética, cultura digital, impacto social das tecnologias, etc. — podem parecer distantes da rotina, mas não se engane:
São as discussões teóricas que ajudam a formar o olhar crítico de designers.
Ainda assim é possível (e recomendável) trazer esses temas para o dia a dia do seu time.
Uma prática interessante é criar rituais de discussão, como clubes do livro, por exemplo, para debater de modo recorrente e frequente temas específicos e chegar em conjunto a conclusões sobre aplicações práticas, se elas forem possíveis.
Nesses espaços de reflexão coletiva, o objetivo pode não ser chegar a uma aplicação imediata, mas sim amadurecer o pensamento e, quem sabe, identificar oportunidades de experimentação futura.
Pensar em voz alta é sempre muito valioso :)
E agora, talvez o mais importante:
Nem todo conhecimento acadêmico precisa ser aplicado
É comum sentir uma certa ansiedade ao estudar temas densos de design — de Munari a Bonsiepe, de métodos de pesquisa a discussões filosóficas sobre tecnologia — e não enxergar, de cara, como aquilo se encaixa na tarefa do dia.
Mas a verdade é a seguinte:
Nem tudo que se lê nos clássicos ou artigos acadêmicos vai virar uma funcionalidade, um novo fluxo ou um insight imediato para o próximo projeto.
O valor do repertório acadêmico não está só na aplicação direta, mas também no pano de fundo crítico que ele oferece para as decisões cotidianas. Ampliando olhares, questionando premissas, refinando o senso crítico e enriquecendo a sua bagagem profissional.
Esse acúmulo de referências vai se manifestar, muitas vezes, de modo quase invisível:
- Na forma como você lê um briefing.No modo como faz perguntas em uma reunião ou propõe uma solução.Em uma discussão estratégica, na hora de argumentar sobre uma decisão difícil, ouQuando surge um desafio inédito.
Para além da aplicação cotidiana, a produção de conhecimento acadêmico existe para ampliar horizontes e questionar o status quo — e, ao fazer isso, acaba trazendo mais confiança a designers para lidarem com a complexidade do mundo real.
Toda bagagem teórica, cedo ou tarde, encontra seu caminho na prática.
A única regra, talvez, seja cultivar uma postura aberta, curiosa e, acima de tudo, crítica.
🎁 Bônus: Quem faz bem essa ponte?
Abaixo, eu listo três profissionais brasileiros que considero referências nesse trânsito entre o universo acadêmico e a prática do design:
Luciana Terceiro ↗
Pesquisadora em IA responsável, a Lu tá sempre trazendo métodos de pesquisa e reflexões críticas para o universo corporativo e de startups, e as referências que compartilha são muito incríveis.
A trajetória acadêmica dela foi uma inspiração para a minha própria.
Diogo Cortiz ↗
Professor da PUC-SP, pesquisador em tecnologia, IA e ciência cognitiva, é conhecido por traduzir conceitos complexos para a prática de design e inovação, além de ser colunista do Tilt no UOL e palestrante.
O Diogo também tem cursos bem legais que traduzem conceitos e teorias pra nossa realidade cotidiana.
Michel Alcoforado ↗
Antropólogo referência em pesquisa de comportamento e inovação, atua tanto em projetos acadêmicos quanto em consultorias para empresas, trazendo a lente da antropologia para o design.
Produz muito conteúdo legal pro LinkedIn e tem também o podcast É Tudo Culpa da Cultura, onde conversa com outros antropólogos sobre assuntos latentes.
Você também tá fazendo essa reflexão por aí e tem algo a acrescentar? Quer adicionar alguém a essa lista? Deixa aqui nos comentários :)
Construindo a ponte entre reflexões acadêmicas e o design de todos os dias was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.