E como esse ciclo pode ser explicado e previsto pela ciência do comportamento.

A confirmação chegou na última semana de maio de 2025. Primeiro, o Airbnb lançou seu novo redesign, introduzindo o que eles chamaram de “sistema de design dimensional com interface belamente animada” — uma mudança significativa que trouxe profundidade, animações e elementos tridimensionais para um app que exemplificava o flat design. Dias depois, em 9 de junho, a Apple anunciou o iOS 26 no WWDC 2025, apresentando o “Liquid Glass” — um material visual translúcido que “reflete e refrata o ambiente”, marcando uma transição importante da era flat que começou com o iOS 7 em 2013.
“Durante a keynote, a Apple fez questão de referenciar o iOS 7 de 2013, quando lançou pela última vez um grande redesign para o software do iPhone”, explicou Craig Federighi. Desta vez, porém, o movimento foi na direção oposta: do minimalismo para um realismo mais sofisticado.
Ao ver essas mudanças, a conclusão foi clara: estamos vendo novamente o ciclo de troca entre flat design e realismo digital. E isso não é só explicado pela histórica do design mas também previsto pela ciência do comportamento.

Por que esperava essa mudança
Entre 2007 e 2013, vimos o design digital passar por uma revolução silenciosa. O skeuomorfismo — aquele estilo que imitava texturas de couro, reflexos metálicos e botões que pareciam físicos — foi substituído pelo flat design minimalista. Apple liderou com o iOS 7, Google seguiu com o Material Design, e Microsoft abraçou a tendência. O mundo digital literalmente se “achatou”.
Mas agora, mais de uma década depois, estamos vendo uma mudança interessante. O iOS 26 trouxe de volta não apenas gradientes sutis, mas um sistema visual baseado em translucidez e refração. O redesign do Airbnb introduziu elementos tridimensionais e animações que tornam a interação mais envolvente. Essa mudança reflete padrões comportamentais identificáveis.
Essa mudança segue padrões comportamentais que podem ser explicados cientificamente.
Usamos as interfaces pois aprendemos com elas
Imaginem Marina, uma jovem que cresceu nos anos 2000. Quando criança, ela aprendeu que botões com sombras e relevos faziam coisas acontecerem quando clicados. Seu primeiro computador tinha ícones que pareciam objetos reais: lixeiras com textura metálica, pastas que imitavam cartolina.
Conforme foi crescendo, Marina se adaptou ao flat design. Aprendeu que retângulos coloridos sem sombras também eram clicáveis. Generalizou esse conhecimento: se algo se destaca visualmente do fundo, provavelmente é interativo.

Esse processo se chama generalização comportamental: quando aplicamos aprendizados de uma situação em contextos similares (Skinner, 1966). Marina abstraiu o conceito de “coisa clicável” independente do estilo visual específico.
Como nossa percepção visual se adapta
Agora imaginem Carlos, que começou a usar tecnologia já na era flat. Para ele, interfaces sempre foram minimalistas e geométricas. Mas algo começou a incomodar: todos os apps pareciam iguais. Mesmos layouts, mesmas tipografias, mesmas interações.
Carlos estava experimentando habituação: processo pelo qual estímulos repetidos perdem seu valor de atenção (Thompson & Spencer, 1966). Quando elementos visuais se tornam muito similares, nossa atenção diminui gradualmente.
A habituação não é falha, é proteção. Nos ajuda a filtrar informações irrelevantes para focar no que importa.

Mas existe um lado negativo: quando todas as interfaces se tornam previsíveis demais, perdemos engajamento. É como morar numa cidade onde todos os prédios são idênticos, funcionalmente eficiente, mas emocionalmente vazio.
Por que você se sente bem em certas interfaces
Pesquisas em neurociência mostram que nosso cérebro tem uma necessidade inata de variação dentro da familiaridade (Van de Cruys & Wagemans, 2011). Queremos reconhecer padrões conhecidos, mas também desejamos elementos que nos surpreendam positivamente.
É exatamente isso que o semi-realismo atual oferece. As sutis sombras no iOS 26 não complicam a interface — elas adicionam hierarquia visual que facilita a navegação. As texturas discretas no Airbnb não criam confusão — elas geram diferenciação que torna a marca mais memorável.

Estudos com rastreamento ocular confirmam: elementos semi-realistas aumentam a atenção em áreas funcionalmente importantes sem criar sobrecarga cognitiva (Zhang et al., 2017).
Como padrões evoluem naturalmente
Todo esse processo nos mostra como padrões de design evoluem. O arquiteto Christopher Alexander (1977), em sua obra fundamental sobre linguagens de padrões, já dizia que padrões devem ser “vivos”; capazes de se adaptar mantendo sua essência funcional. Embora Alexander tenha escrito sobre arquitetura física, seus princípios sobre a evolução de padrões se aplicam perfeitamente ao design digital.
O flat design cumpriu sua função: estabeleceu uma linguagem visual universal, reduziu ruído visual e facilitou a navegação. Mas como qualquer padrão, ele eventualmente saturou.
O semi-realismo não rejeita as lições do flat design. Ele as evolui. Mantemos a clareza funcional conquistada, mas adicionamos elementos visuais que satisfazem nossa necessidade de variação estética.
O semi-realismo atual não rejeita as lições do flat design, mas as evolui, combinando clareza funcional com elementos visuais mais ricos.
O que vem depois do semi-realismo
Se nossa necessidade de variação é constante, uma pergunta surge: quanto tempo levará para o semi-realismo se tornar o novo “flat” monótono?
A resposta talvez não esteja em encontrar o estilo visual definitivo, mas em desenvolver sistemas que se adaptem continuamente. Interfaces que evoluam baseadas no comportamento dos usuários, que se reinventem antes de se tornarem tediosas.
Alguns produtos já experimentam com isso. O Arc Browser personaliza sua aparência baseada no uso. Ferramentas de IA adaptam suas interfaces conforme aprendem sobre preferências individuais.
Talvez o futuro do design não seja sobre estilos visuais específicos, mas sobre sistemas inteligentes que equilibram familiaridade e novidade de forma dinâmica.
O que isso significa para você
Compreender esses padrões comportamentais nos dá uma vantagem: podemos antecipar mudanças ao invés de reagir a elas. Designers que reconhecem sinais de habituação visual podem liderar transições estéticas.
Mais importante: entendemos que usuários são seres cognitivos complexos que precisam de estímulos visuais balanceados: nem simples demais a ponto de serem monótonos, nem complexos demais a ponto de serem confusos.
Uma oportunidade estratégica
Do ponto de vista estratégico, essa necessidade de variabilidade comportamental representa uma oportunidade competitiva significativa. Empresas que conseguem identificar e responder a sinais de habituação visual antes dos concorrentes ganham vantagem na percepção de inovação e modernidade.
O Airbnb não redesenhou sua interface apenas por estética. Foi uma decisão estratégica para se diferenciar num mercado saturado de apps flat similares. A Apple trouxe elementos visuais mais ricos de volta provavelmente porque identificou que usuários estavam prontos para mais complexidade visual.
Compreender padrões comportamentais de design pode oferecer vantagens competitivas significativas.
Mas existe um desafio: por ser um fenômeno fundamentalmente subjetivo, validar o sucesso dessas decisões é mais complexo que medir conversões ou tempo de uso. Como você quantifica “satisfação estética”? Como prova que uma sombra sutil aumentou o engajamento emocional?
As métricas tradicionais podem não capturar o impacto completo. Talvez precisemos desenvolver novos frameworks de avaliação que considerem aspectos comportamentais mais profundos — pesquisas qualitativas longitudinais, análise de sentimento em feedback, estudos de rastreamento ocular.
O movimento atual para o semi-realismo representa uma evolução natural de uma linguagem visual que busca equilibrar eficiência funcional com satisfação estética — e pode oferecer oportunidades estratégicas interessantes para quem souber navegar suas complexidades.
É um desenvolvimento que vale a pena acompanhar.
Referências
- Alexander, C., Ishikawa, S., & Silverstein, M. (1977). A Pattern Language: Towns, Buildings, Construction. Oxford University Press.Burmistrov, I., Zlokazova, T., Izmalkova, A., & Leonova, A. (2015).Skinner, B. F. (1966). What is the experimental analysis of behavior?Thompson, R. F., & Spencer, W. A. (1966). Habituation: a model phenomenon for the study of neuronal substrates of behavior.Van de Cruys, S., & Wagemans, J. (2011). Putting reward in art: A tentative prediction error account of visual art.Zhang, X., Wang, Q., & Shi, Y. (2017). Contrastive analysis on emotional cognition of skeuomorphic and flat icon.
Parece que estão brincando com o flat design novamente was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.