O design da informação molda a sociedade: classifica, inclui, exclui e impacta como vivemos, trabalhamos e nos conectamos.

Neste artigo, compartilho algumas reflexões sobre como as experiências que projetamos influenciam e moldam nossa sociedade.
Muitas dessas ideias vêm principalmente do livro Intertwingled de Peter Morville, e também de outras leituras que cito no final.
A obra de Morville traz uma forma poderosa de enxergar o mundo atual. A ideia central, inspirada no conceito de “intertwingularity” de Ted Nelson, é que tudo está profundamente conectado: sistemas de informação, design e tecnologia não são neutros. Pelo contrário, eles afetam e são afetados pelas complexas relações sociais em que estamos inseridos.
“Quando organizamos a informação, nós a modificamos. A ordem em que ela aparece, o que vem antes ou depois, o jeito como condensamos ou expandimos… tudo isso muda o seu significado.”
— Lisa Maria Marquis, Everyday Information Architecture
Jorge Arango (Living in Information) complementa essa ideia ao lembrar que não apenas usamos a informação: vivemos dentro dela e faz parte do ambiente que nos cerca. E como organizamos essa informação impacta diretamente nossas decisões, interações e até quem somos.
Quando criamos um app, um site ou mesmo uma política pública, estamos mexendo com ecossistemas complexos de pessoas e tecnologia. Podemos reforçar desigualdades ou criar novas formas de inclusão. Tudo isso influencia nossa percepção da realidade.
A seguir, trago alguns exemplos que ajudam a ilustrar essa relação entre design de informação e vida em sociedade.
O perigo dos rótulos: quando classificar é excluir
Um dos riscos da era digital é como classificamos pessoas. Sistemas de categorização (bancos de dados do governo, redes sociais ou até nossos próprios filtros mentais) nunca são neutros. Eles carregam os valores e preconceitos de quem os criou.
Diagnósticos psiquiátricos, por exemplo. Uma pessoa rotulada com um transtorno pode acabar sendo vista apenas por esse prisma, o que afeta seu acesso ao trabalho, relacionamentos e até como ela se enxerga.
O rótulo pode virar uma profecia que se cumpre sozinha, onde a classificação acaba por moldar a realidade da pessoa.
Outro caso são os algoritmos de scores de crédito (credit scoring). Eles avaliam uma infinidade de dados, até coisas que não parecem relacionadas com finanças, como onde você mora ou o que compra online. Uma pontuação baixa pode limitar o acesso a crédito, moradia e até empregos. Sociologicamente, isso cria um ciclo de desvantagem e reforço das desigualdades.
Em bairros historicamente marginalizados por exemplo, as pessoas tendem a ter pontuações de crédito mais baixas. O algoritmo, ao penalizar o código postal, perpétua a exclusão econômica dessas comunidades.
Com isso, à medida que os serviços se tornam cada vez mais dependentes dessas pontuações, assistimos a uma “gentrificação digital”, onde o acesso a bens e serviços essenciais no mundo online é determinado por um sistema de classificação opaco que favorece os já privilegiados.
A intervenção (o algoritmo de crédito) não apenas mede o risco; ela ativamente constrói e solidifica a estratificação social.
De substantivo a verbo: o que significa “organizar” hoje?
Teóricos organizacionais como Karl Weick sugerem que deveríamos mudar nosso foco de “organização” (substantivo estático) para o processo “organizar” (verbo dinâmico).
Isso se conecta com as teorias do construcionismo social, que veem a realidade social não como algo fixo, mas como um processo contínuo de interação e negociação. Mesmo nessa ação dinâmica de “organizar”, subentende-se a compreensão de que como se estrutura algo influencia diretamente as interações e os resultados.
Na “Gig Economy” que vivemos hoje, protagonizada por flexibilizações de leis trabalhistas e por apps como Uber e 99, isso fica ainda mais evidente. Antes, o “trabalho” era algo com contrato, direitos e estabilidade. Agora virou um processo fragmentado: o motorista está sempre “trabalhando”, tarefa por tarefa, mediado por um algoritmo, sem a estrutura social e os direitos associados ao “trabalho” como instituição.
A interface do app — com metas, bônus, notas de avaliação e nenhuma interação com colegas — ativamente “organiza” as relações de produção de uma forma que enfraquece a solidariedade coletiva e individualiza o risco.
A arquitetura da informação (e o design) aqui não é um pano de fundo para o trabalho; ela é o próprio mecanismo que o estrutura de uma nova e precária forma.
Redes sociais e o efeito dominó
Um dos pontos mais importantes de Intertwingled é mostrar que toda tecnologia nova entra em um sistema social já existente, com consequências muitas vezes não intencionais. Será mesmo?
Pense no botão de “like”: parece simples mas virou moeda da atenção. O algoritmo das redes sociais prioriza o que gera mais reação rápida: indignação, euforia, memes. Interações superficiais como essa favorecem (e aceleram) discursos extremos e reduzem o espaço para conversas mais profundas. O resultado? Polarização, bolhas de opinião, menos diálogo.
No nível pessoal, a busca por “likes” afeta autoestima, causa ansiedade e até problemas de imagem corporal (pra falar o mínimo) principalmente entre os mais jovens.
Uma simples decisão de design que parecia inofensiva transformou profundamente o ecossistema da autoestima e do bem-estar psicológico de gerações.
Tudo está conectado
A classificação de um indivíduo, a interface de um aplicativo de trabalho ou a métrica de uma rede social não são detalhes técnicos triviais. Desde como classificamos alguém, até como estruturamos uma rede social ou um app de trabalho, tudo isso influencia instituições, relações e até identidades.
A forma como essa arquitetura é construída — o que ela prioriza, como ela estrutura as conexões e o que ela torna mais ou menos acessível — tem um impacto direto sobre o conhecimento e a compreensão que o usuário desenvolve.
Se aquilo que buscamos nos transforma, o jeito como organizamos o que está ao nosso redor importa (e muito) para quem somos e quem podemos nos tornar.
Referências
- Intertwingled, Peter MorvilleEveryday Information Architecture, Lisa Maria MarquisKarl WeickConceito de Intertwingularity, de Ted NelsonHow to make sense of any mess, Abby CovertLiving in Information, Jorge ArangoInformation Architecture: For the Web and Beyond, vários autores
Como a arquitetura de informação nos molda was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.