Design é sobre o que você entrega e como apresenta.

No mundinho do design, pesquisar com usuários, prototipar ideias, testar hipóteses e iterar com base em feedback são passos essenciais pra criar soluções relevantes. Mas, no meio de tantos métodos e ferramentas, existe uma habilidade que às vezes é deixada de lado, mas que faz toda diferença: a arte de contar histórias.
No fundo, o trabalho do designer vai muito além de criar interfaces bonitas e funcionais. Ajudamos a promover mudanças de comportamento, de percepção e de cultura que precisam ser apresentadas com clareza, contexto e intenção.
Saber construir uma narrativa envolvente é o que transforma uma apresentação de Discovery em um ponto de virada. É o que faz um fluxo complexo parecer simples. É o que dá vida a um protótipo, mesmo quando ele ainda é só um rascunho.
No fim das contas, o storytelling que conecta pessoas às ideias e faz projetos saírem do papel. Esse artigo é sobre isso. Vem comigo?
Contar histórias: uma habilidade treinável
Você já se sentiu travado ao apresentar um projeto? Jamais tome isso como falta de talento. Às vezes, é só falta de treino mesmo.
Contar histórias, assim como qualquer outra habilidade, melhora com a prática. Assim como músicos aprendem tocando canções de outras pessoas, designers podem (e devem) estudar apresentações, analisar como alguém estruturou a fala, como construiu os momentos de tensão e como guiou o raciocínio.
Isso não é copiar, é aprender por repetição.

Preciso admitir: nunca fui aquela pessoa que fala com segurança logo de cara. Minha naturalidade aparece com o tempo, quando começo a confiar nas pessoas e no ambiente. Mas sei que nem sempre dá pra esperar por isso. Sempre fui mais de observar do que de falar porque gosto de reparar nas pausas, nos silêncios e nos gestos que dizem mais do que qualquer palavra. É no subtexto que eu me encontro, sabe? É ali, no que não é dito, que dá pra se encantar mais com as histórias. Elas ganham sentido.
A virada na minha forma de apresentar veio de um lugar bem possível: aulas de oratória, ainda nos tempos de faculdade de jornalismo. Se você soltou um “wtf?” aí, recomendo ler esse artigo pra entender um pouco melhor porque eu estou aqui e não na bancada do Jornal Nacional. 😅
O professor da disciplina, Julião, era uma figura marcante: cabelos grisalhos, tranquilidade digna de senhorzinho que joga xadrez e uma simpatia que fazia a sala parecer menor do que era. De aumentativo, só o nome mesmo, porque ele devia ter, no máximo, um metro e meio de altura.
No primeiro dia, sem rodeios, lançou um desafio que pegou todo mundo de surpresa e eu pensei que ia ser a minha ruína:
“Quero que vocês se apresentem por 5 minutos sem falar nada sobre a profissão de vocês.”
Eu travei. Porque, depois do nome, da idade e da cidade, a gente quase sempre costuma correr pro crachá, como se ele realmente nos definisse. Naquele exercício, percebi de uma forma real que não somos o nosso cargo. Somos o que levamos dos encontros e, principalmente, o que deixamos nas pessoas depois que saímos dos lugares.
O professor, quase no fim do semestre, deu mais uma dica que nunca esqueci: “Quando estiver num palco, escolha três pessoas aleatórias, uma em cada canto da plateia, e vá alternando o olhar entre elas. Vai parecer que você está falando com todo mundo. E se o nervosismo bater forte, imagine que você está falando pra uma plantação de repolhos. Cada cabeça ali é uma dessas verduras.”
Bizarro? Sim. Mas eu já usei e funcionou.

Práticas simples
Histórias ganham vida quando a gente mostra quem sente e vive aquilo de verdade. Dar rosto e emoção pras pessoas deixa tudo mais interessante. Não basta só explicar, precisa fazer a audiência sentir junto. É assim que o storytelling brilha e eu trago dicas de como colocar isso em prática:
- Treine no espelho: apresente o projeto pra você, falando em voz alta e sem pressa. Depois, repita pra alguém que não seja da área. Repare onde a atenção escorrega e onde você mesmo se perde. Clareza não é o que sai da sua boca, é o que chega do outro lado.Use exemplos: traga falas reais de usuários. Vale trechos da entrevista, algum print de opinião antiga, alguns balões de fala. Isso faz o problema sair do papel e ganhar corpo na vida real.

- Crie ritmo: misture dados com emoção pra fazer a fala respirar. Alterne o problema com a proposta, o racional com o humano. Não é sobre rebuscar as coisas à toa. É sobre fazer a mensagem caminhar, de verdade, junto com quem escuta.
Toda boa história começa com uma promessa
É aqui que entra meu lado geek. 😜🖖
Tem uma cena de 36 segundos em Star Wars: Uma Nova Esperança onde Luke Skywalker encara dois sóis se pondo. Sem dizer uma palavra, a gente entende tudo: ele quer sair dali e quer mais da vida. A gente sabe que algo vai acontecer. É uma cena simples, mas que carrega três promessas fundamentais que toda boa história precisa apresentar logo no início:

1. Que jornada vamos acompanhar?
A trama é o esqueleto da história. É o “E se…?” que guia tudo. No design, é o problema que você está tentando resolver. Uma boa trama apresenta um desafio que vale a pena ser resolvido.
2. Qual o clima da história?
O tom é o jeito de contar. Ele pode ser investigativo como em um episódio de CSI, esperançoso como a maioria dos filmes da Pixar, crítico como documentário do Adam Curtis ou divertido, daquele tipo que faz todo mundo rir no final. Ele define a energia da apresentação e ajuda a criar empatia. Escolha o tom que faz sentido pra sua mensagem e sustente até o fim.

3. Quem é o centro da história?
Aqui, falamos sobre o personagem que está no foco. Em design, é o usuário final, uma equipe impactada, um operador que sofre com o sistema travado ou aquele atendente que precisa de 8 cliques pra resolver algo simples. Histórias boas possuem personagens com desejos e obstáculos. Isso significa mostrar quem sente a dor e quem vai se beneficiar da solução.
Quando você começa uma apresentação de design com essas três coisas claras, tudo flui melhor. O público se conecta e as pessoas entendem o que esperar. E, o mais importante: confiam na direção que você propõe.
Apresentar design é guiar uma jornada
Não importa se você vai mostrar um mapa de jornada, um fluxo, os aprendizados do Discovery ou um protótipo navegável. Em todos esses casos, você está conduzindo alguém por uma história. E, como toda boa forma de contar, precisa ter começo, meio e fim:
- Começo: Onde estamos? Qual o contexto? Qual a dor?Meio: O que aprendemos? O que foi considerado? O que testamos?Fim: Que solução encontramos? Como ela resolve o problema? E o que vem depois?
Costumo seguir um modelo de estrutura de apresentação que desenvolvi para organizar melhor minhas entregas, inspirado no Golden Circle, framework de liderança e comunicação criado por Simon Sinek, que busca explicar por que algumas organizações e líderes conseguem inspirar e motivar seus públicos de forma tão eficaz.
Já compartilhei esse modelo em alguns workshops de storytelling voltados para UX e, por isso, acho mais do que justo dividir esse material aqui também. Acredito que ele merece ganhar o mundo, ser testado, aprimorado e avaliado por mais pessoas. 😀

É uma estrutura simples, mas poderosa, que transforma entregas soltas em uma narrativa coerente e dá ao seu trabalho o espaço que ele merece.
No fim das contas, é impossível lembrar de todos os dados de uma apresentação ou de todas as telas que alguém mostrou. Mas a gente lembra do sentimento e da clareza com que a mensagem foi passada, bem como da certeza de que aquilo fazia sentido.
Design é resolver problemas. Mas apresentar design é convencer que aquela é, de fato, a melhor solução.
O poder de uma história bem contada
Storytelling não é firula. É uma ferramenta que transforma um projeto técnico em algo com propósito, direção e humanidade. Então, se você quer levar sua comunicação de design pra outro nível, deixo aqui vai sua missão Jedi:
- Estude boas históriasTreine bastante e capriche na estrutura da sua apresentaçãoTraga clareza pra trama, tom e personagem.
E lembre-se: você não está só mostrando um projeto; está convidando as pessoas a embarcarem numa jornada com você.
May the storytelling be with you. ✨
Aprofunde-se mais aqui:
- You’re not a great designer unless you’re also a great storyteller (UXM)Storytelling to Problem Solve (UX Booth)UX Writing: Como o storytelling está presente na criação de conteúdo. (UX Colletive BR - João Alvares - JVUX)Storytelling é mais do que contar uma boa história; é criar vínculos através delas. (UX Collective BR - Anne Freitas)Meus 20 anos de design, o primeiro iPhone e algumas tendências depois… (Jeferson Ramos⚡️)Star Wars IV: A new hope — Binary Sunset (Force Theme) (YouTube)Geri’s Game – Jogando Xadrez (curta da Pixar)CSI – Crime Scene Investigation (série de TV)Adam Curtis – cineasta (Wikipedia)Comece Pelo Porquê – Simon Sinek (livro na Amazon)
Designers precisam aprender a contar boas histórias was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.