Um experimento com IA e interfaces adaptativas.

Interfaces adaptativas são sistemas que reorganizam a experiência com base no uso. Elas observam padrões e ajustam o que exibem ao longo do tempo. Como antecipou Jakob Nielsen em seu artigo Noncommand User Interfaces (Interfaces sem Comando), pouco mais de 30 anos atrás, “Quando se permite que o computador modifique a interface, ele pode adaptar a interação às circunstâncias específicas de uso e ao local em que o usuário se encontra.”
Hoje, com o avanço da IA, essa forma de adaptação ganhou novas possibilidades. A IA não apenas executa mudanças, mas interpreta sinais com mais profundidade, modulando o que é exibido e adaptando o conteúdo às variações observadas. Amplifica a percepção e refina a resposta em um processo contínuo.
LUMIA foi criada para explorar esse tipo de interação. Uma interface experimental que não exige ações, apenas observa, aprende e responde de forma silenciosa aos dados que recebe.
A pesquisa foi conduzida com Perplexity AI e organizada no Miro, usando recursos de IA para gerar insights e hipóteses. As telas foram criadas no Lovable, e o ChatGPT foi usado para simulação dos dados, leitura dos padrões, geração das observações exibidas na interface, além da criação das imagens ilustrativas.
O resultado é um experimento em duas camadas, uma construção visual e narrativa feita com ferramentas de IA, sobre um produto fictício que incorpora IA de forma contínua e contextual.
Interfaces adaptativas
As interfaces adaptativas exigem um equilíbrio constante entre mudança e consistência. Quando se moldam ao uso, podem trazer fluidez e personalização, mas também gerar confusão ou sobrecarga. A seguir, alguns pontos ajudam a compreender essas nuances.
1. Definição de interfaces adaptativas (Adaptive User Interfaces)
Interfaces adaptativas (AUI) são sistemas que ajustam o que exibem com base no comportamento e no contexto de uso. Em vez de seguir um padrão fixo, elas observam como cada pessoa interage e reorganizam a experiência de forma progressiva, tornando-se mais alinhadas ao modo de uso individual.
Enquanto as interfaces responsivas (Responsive User Interfaces, RUI) se adaptam ao tamanho da tela ou ao tipo de dispositivo, preservando a estrutura e o conteúdo, as interfaces adaptativas transformam a experiência com base no uso, trazendo respostas diferentes para cada trajetória. “Esses sistemas não estão apenas respondendo aos usuários, estão aprendendo com eles, identificando padrões e moldando proativamente as interações para que pareçam mais fluidas e relevantes”, como destacou Jonathan Montalvo em seu artigo sobre UX na era da IA.
Essa adaptação acontece por escuta e interpretação, acompanhando o ritmo do usuário. A experiência se torna mais fluida, mas só se sustenta quando mantém clareza, estabilidade e consistência mesmo em meio à mudança.
2. Riscos da adaptação
Os riscos mais comuns são éticos, técnicos e cognitivos.
Riscos éticos surgem quando a adaptação reforça desigualdades ou compromete a privacidade. Vieses algorítmicos, de dados e sistêmicos podem afetar grupos de maneira desigual, e a coleta constante de dados pode transformar a personalização em vigilância quando não está claro o consentimento.
Barreiras técnicas aparecem quando a estrutura do produto não sustenta a proposta adaptativa. Esses sistemas exigem um acompanhamento do uso em tempo real e, quando isso falha, a experiência perde estabilidade e fluidez.
Impactos cognitivos acontecem quando a mudança constante exige reaprendizado. Sem padrões claros, o usuário perde a referência. Em sistemas adaptativos, saber o que manter é tão importante quanto saber o que mudar.
3. O papel do designer
Projetar para ambientes adaptativos é decidir o que muda, o que permanece e como essa mudança será percebida. O designer define os critérios de adaptação, acompanha os padrões de uso, e garante que a experiência continue clara e consistente.
Em contextos dinâmicos, o desafio não é apenas adaptar, mas garantir coerência em meio à transformação. O designer sustenta a intenção mesmo quando a forma muda, e também protege a experiência contra vieses que podem surgir quando se delega demais ao sistema.
LUMIA como interface imaginada
LUMIA não é um app em produção, nem uma pulseira real. É a ideia de uma interface orientada pela escuta.
A proposta é captar sinais fisiológicos do corpo sem exigir qualquer ação. Na pulseira não há tela nem botões. Sensores que ficariam em um módulo interno tornam viável uma escuta contínua e silenciosa.

Os dados captados são enviados para o sistema, que observa padrões, reorganiza sua apresentação e responde com observações personalizadas. Esses dados incluem variabilidade da frequência cardíaca (VFC), duração e profundidade do sono, frequência respiratória e exposição ao sol. A pulseira também monitora temperatura corporal, batimentos em repouso e passos. O foco é estimado como métrica relacional, interpretada no contexto dos demais sinais.
A experiência começa com a apresentação neutra da interface, onde todos os dados aparecem com o mesmo peso, em equilíbrio e organizados em ordem alfabética. Após alguns dias de uso, a interface observa os padrões que vão se formando e se reorganiza de forma sutil. Dados menos relevantes são ocultados e outros ganham destaque.
Com o tempo, os dados passam a se cruzar e o sistema entra em um ciclo adaptativo contínuo. Observa, aprende e se reorganiza. A cada novo dia, as interpretações são exibidas em três níveis, através de elementos que podem variar em destaque e disposição na interface:
- Cards de dados com insights específicosObservações gerais exibidas em cards secundáriosInsights que surgem do cruzamento entre diferentes dados
O tom de voz de LUMIA é observacional e reflexivo. Em vez de cobrar ações ou propor metas, ela apenas comenta o que vê. O usuário não é corrigido nem treinado, mas reconhecido em seu próprio ritmo.
Há também uma visualização geral, acessível nas configurações, onde todos os dados aparecem tabulados com pesos iguais, sem hierarquia, abrindo espaço para um equilíbrio entre adaptação e escolha.
Duas jornadas, um sistema em movimento
Para ilustrar o uso em forma de narrativa, foram simuladas duas trajetórias de personas fictícias ao longo de três semanas, com padrões de comportamento plausíveis. Todos os dados foram criados com o ChatGPT, a partir de simulações construídas para representar a evolução realista do uso ao longo do tempo. Os textos da interface e os insights exibidos em cada card foram gerados a partir desses dados, também com o ChatGPT.
Em uma aplicação real, a adaptação da interface dependeria da coleta contínua de dados reais e do uso de modelos de machine learning, capazes de identificar padrões de uso ao longo do tempo e ajustar a experiência de forma autônoma.
Desmond trabalha em um marketplace digital e foi o primeiro a experimentar a pulseira. Pouco depois, apresentou-a para Molly, cantora em uma banda. As jornadas de Desmond e Molly mostram como LUMIA se molda ao percurso único de cada pessoa.

A jornada de Desmond
Desmond viu um anúncio e decidiu experimentar a pulseira. Ele trabalha remotamente e se movimenta pouco no dia a dia. Três momentos de sua jornada mostram como a interface responde a padrões ao longo do tempo.
Dia 1: apresentação neutra
Desmond abre a tela de LUMIA pela primeira vez após usar a pulseira por um dia. Os dados aparecem em equilíbrio. Não há destaques, urgência ou interpretação.

Dia 4: adaptação leve
Desmond caminhou alguns dias pelo bairro, e a interface respondeu com uma reorganização discreta. Os cards de passos e exposição ao sol passam a ser exibidos no topo da visualização, enquanto três outros, com menor relevância naquele momento, são ocultados.
Ao ver os dados organizados na tela, Desmond nota que dormiu mais, respirou de forma mais lenta, e que houve momentos de foco mais consistentes. Percebe a relação entre seus comportamentos recentes e os efeitos no corpo.

Dia 21: insights cruzados
Nas semanas que se seguiram, ele manteve uma rotina mais estável, com caminhadas frequentes e maior exposição à luz natural logo cedo. As métricas deixam de aparecer apenas como blocos independentes e passam a exibir conexões entre diferentes dados.
No vigésimo primeiro dia, um gráfico mostra que o aumento dos passos e da exposição ao sol também elevaram a variação cardíaca, sinal que o corpo entrou em um ritmo mais equilibrado. A rotina de Desmond havia mudado e a interface acompanhou.

Molly, uma pausa em outra frequência
Molly não busca transformação. É cantora e passa boa parte da semana entre ensaios e apresentações, com horários variados. O corpo segue esse ritmo, com sono irregular e pouca previsibilidade. A interface acompanha, sem interpretar como falha ou excesso.
Após algumas semanas, certos registros se destoaram do padrão. Em dias isolados, após pausas inseridas na rotina, a respiração desacelerou e o tempo de sono profundo aumentou. Não houve tentativa de mudança, apenas um intervalo entre estímulos.
O sistema reuniu esses momentos e revelou uma correlação sutil. Um gráfico cruzado mostrou que, sempre que o corpo desacelerou, o descanso foi mais consistente. Molly não planejou essas pausas, mas, ao vê-las organizadas, reconheceu que ali havia algo que valia a pena ouvir.
Aplicativos e dispositivos no mercado de bem-estar
A pesquisa incluiu também a análise de produtos que utilizam dados fisiológicos e contextuais para oferecer experiências personalizadas, como o aplicativo Headspace, o anel Oura, a pulseira Whoop, o app Gyroscope e a plataforma Exist.
O Headspace utiliza check‑ins emocionais para ajustar o conteúdo de meditação conforme o estado do usuário. O Oura interpreta biomarcadores como frequência cardíaca, temperatura e padrões de sono. A Whoop organiza dados de esforço e recuperação em pontuações diárias. O Gyroscope integra múltiplas fontes de dados em uma linha do tempo com sugestões contextuais. Já o Exist cruza serviços conectados para revelar correlações entre comportamento e estado emocional.
Projetar com IA é desenhar um novo tipo de escuta
A IA ampliou nossas possibilidades como designers, e projetar com IA durante o processo envolve uma mudança de postura. Deixou de ser construção para se tornar direção. Não se trata apenas de automatizar tarefas ou ganhar velocidade, mas de cultivar um olhar atento, exercendo pensamento crítico a cada resposta que emerge.
Ao mesmo tempo, a IA passa a fazer parte dos produtos de maneira definitiva, e o cuidado com o que se cria se torna ainda mais importante.
Entramos em uma era onde há novas formas de se relacionar com a informação, e ouvir o outro continua sendo um gesto essencial.
Referências
- Noncommand User Interfaces (1993) — Jakob NielsenHow Adaptive User Interfaces Are Changing the Game (2024) — Gerasimos TzivrasHow to Build Real‑Time Adaptive Interfaces with AI in 2025 (2025) — Mageswari SA practitioner’s journal on navigating UX in the age of AI (2025) — Jonathan Montalvo
LUMIA, uma interface que escuta was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.