Esqueça os roteiros. Cada contexto pede um caminho. E nenhum deles vem pronto.

Este artigo é para você, designer, e para todo o time com quem você atua… Para que todos entendam de uma vez por todas que Discovery vai muito além de seguir um roteiro superficial.
Muitos acreditam que fazer um discovery é simplesmente aplicar um roteiro: fazer uma matriz CSD, mapear concorrentes, desenhar jornadas e, pronto, “tá feito”. Mas isso é só a camada superficial. Um roteiro que não entrega a profundidade necessária…
Claro que, quando estamos começando na área, entender os primeiros passos para uma boa construção desses métodos é essencial. Afinal, eles são importantes para estruturar o pensamento e ganhar prática… Porém, é fundamental já começar com a consciência de que não existe receita de bolo. Não existe um conjunto fixo de etapas ou métodos. Discovery exige treinar o seu olhar e exercitar o design thinking.
Discovery vai além dos métodos. É a busca por clareza coletiva. Sem isso, o processo vira uma formalidade, e a chance de alinhar o time sobre o problema e o caminho estratégico se perde.
Nem todo problema precisa de profundidade, mas todo problema precisa de clareza
Pra começar, é importante termos em mente que nem todo desafio/problema pede um discovery robusto… E nem todo desafio/problema precisa de discovery.
Às vezes, o que você precisa é de uma boa conversa, um alinhamento objetivo, uma escuta ativa. Mas todo problema, sem exceção, exige um bom entendimento sobre contexto, objetivo e impacto. Isso já ajuda a evitar decisões precipitadas e soluções genéricas.
Estar nas conversas também é fazer Discovery
Uma coisa que nós, designers, precisamos fazer mais é estar presentes nas conversas, nos alinhamentos, nas decisões de negócio, nas discussões de produto. Sei que nem sempre isso depende só da gente (assunto pra outro artigo…). Muitas vezes, o espaço ainda precisa ser conquistado (e não é fácil, principalmente dependendo do nível de maturidade de design na empresa). Mas, sempre que houver abertura, a gente precisa ocupar esse lugar.
Porque sim, isso também faz parte do processo de descoberta.
Estar junto desde o início ajuda a entender a origem dos direcionamentos, os porquês por trás das prioridades, os conflitos reais entre visão de negócio e necessidades do usuário… Discovery não começa no Figma, no FigJam ou no Miro. Começa na conversa, no entendimento do contexto e na troca.
Quem nunca entrou em processos que já estavam em andamento? Uma etapa solta, uma “entrega” específica de discovery, sem clareza sobre o que levou até ali. Sem ter participado das conversas iniciais, sem entender os contextos, sem saber de onde vieram as decisões tomadas lá atrás…
E aí começa a correria atrás do contexto: rever gravações, buscar agendas, conversar com quem estava envolvido. Não que seja exatamente um retrabalho, mas é um tempo e uma energia que poderiam ter sido evitados se nós, profissionais de design, tivéssemos participado desde o começo. Em vez de correr atrás do entendimento depois, já teríamos participado da construção dele.
Quanto mais cedo a gente entra, mais fácil é construir pontes entre o que se quer fazer, o que se pode fazer e o que se deve fazer, resultando em um melhor alinhamento estratégico entre design, produto, negócios e usuários/cliente… Bingo!
Discovery é, acima de tudo, feeling
Fazer discovery não é seguir um passo a passo. É ter sensibilidade pra perceber o que os métodos não mostram. É aquele olhar atento pro que está nas conversas, nas pausas, nas contradições. É sentir quando vale insistir numa pergunta, quando mudar de rota ou até quando parar tudo e voltar do zero.
Esse feeling vem com prática, com repertório, com disposição pra errar e aprender no caminho. Não nasce com modelo nem se aprende só fazendo um curso X, Y ou Z. Ele exige presença de verdade. Quando o time desenvolve esse tipo de sensibilidade de forma colaborativa, o discovery deixa de ser uma entrega e vira um jeito de pensar.
Tudo isso exige intenção, presença e propósito. E esses são alguns dos fatores que nos diferencia da inteligência artificial. Porque esse feeling depende de contexto, não só ambiental, mas humano. Ele envolve subjetividade, histórias, expressões, momentos, desejos… Coisas que não cabem num prompt.

Design thinking é um modo de pensar. Não é um processo. Não é uma ferramenta
Design Thinking tá longe de ser fazer um canvas bonito nem sair colando post-it no vidro de um escritório. Ele é uma forma de interpretar o mundo com empatia, atenção e disposição pra mudar de direção quando o contexto pede.
É observar de verdade, fazer boas perguntas, juntar as peças antes de tentar encaixar uma solução. Mais do que uma ferramenta ou processo, Design Thinking é um modo de pensar o design (redundante, mas é isso).
Design thinking não é ferramenta ou metodologia. Desing thinking é um modo de pensar o design.
Treinamos esse pensamento no dia a dia, prestando atenção nos detalhes de uma conversa e desconfiando de respostas fáceis, com empatia, experimentação e colaboração. E o discovery é o melhor momento pra exercitar tudo isso, usando o pensamento de design para criar sentido antes de criar a solução.
Product Thinking e Design Thinking
Muita gente trata Product Thinking e Design Thinking como se fossem dois lados opostos, e às vezes como se fossem a mesma coisa, quando, na verdade, são dois conceitos que precisam caminhar juntos.
Enquanto o Product Thinking traz o olhar estratégico, o contexto mais amplo e a pergunta “por que esse problema importa para o negócio?”, o Design Thinking entra com o “como a gente resolve isso do jeito certo para as pessoas?”. Um mostra pra onde ir, o outro garante que a gente vá do jeito certo.
A diferença é de foco, não de valor. Product Thinking ajuda a entender o impacto de uma decisão no todo. Design Thinking ajuda a explorar as possibilidades de solução, escutando quem vai usar o produto, testando ideias, aprendendo com o que não funciona. Um ajuda a decidir o que fazer. O outro ajuda a fazer bem feito.
Se a gente tenta fazer discovery olhando só pelo lado do negócio, podemos acabar tomando decisões que não fazem sentido pra quem vai usar. Se olhamos só pela ótica do usuário, corremos o risco de propor algo que não se sustenta na estratégia. As duas coisas precisam andar juntas. É isso que faz um discovery realmente útil. É aí que mora um discovery bem feito: conectar intenção, contexto e experiência real.
Leia mais: Product Mindset vs. Project Mindset — ProductPlan
Product Thinking and Design Thinking: Are they they same?
Saber parar também faz parte do processo
Nenhum discovery é exaustivo. E nem deve ser.
Parte da maturidade de um time está em saber o momento de parar e sintetizar, quando já existe um entendimento suficiente para tomar uma decisão e seguir com confiança… Prolongar um processo de descoberta indefinidamente não garante melhores ideias ou soluções. É preciso ter equilíbrio: ir fundo o suficiente para entender o problema, mas voltar à tona com clareza e foco no que importa.
Discovery é alinhamento com propósito
No centro de um bom discovery está a busca por um entendimento real sobre alguma coisa. Das necessidades do negócio, das dores do produto e da experiência do usuário. E, principalmente, de como tudo isso se conecta para gerar valor.
É um processo vivo, adaptável e coletivo. Ferramentas como matriz CSD ou benchmark podem ser úteis, mas o verdadeiro valor está em como você conduz as conversas, provoca o time a refletir e traduz pontos soltos em clareza estratégica.
Quando o discovery é bem feito, ele se torna o momento de maior conexão entre produto, pessoas e propósito.
Discovery bom é discovery que ensina
Todo discovery gera valor, mas nem sempre o time está pronto para identificar, absorver ou agir a partir desse valor. É por isso que, mais do que cumprir etapas, o mais importante é ter intenção e maturidade para transformar o aprendizado em decisões conscientes.
Não adianta só entrevistar usuários ou testar protótipos se a gente não sabe o que fazer com o que descobre. Discovery de verdade é aquele que refina o olhar do time, amplia o entendimento do problema e evita decisões que poderiam nos levar para o caminho errado. E ainda: é entender que errar também parte do processo de descoberta.
Vale alguns questionamentos:
- Com que frequência conversamos com usuários?Quanto tempo levamos pra perceber que uma ideia não faz sentido?O que nos surpreendeu? E como poderíamos ter descoberto isso antes?Estamos realmente aprendendo? Ou só executando atividades?
Discovery que ensina acontece na prática, no dia a dia… Não é seguir métodos e mais métodos, nem falar pra todo mundo “ei, estamos fazendo discovery”. Você precisa estar verdadeiramente disposto a investigar, ouvir de verdade, mudar de direção quando for preciso e aprender com o que aparece no caminho. Tudo isso exige presença, escuta, troca. Quanto mais consciência temos sobre isso, mais o discovery se torna parte da estratégia, e não uma etapa isolada do processo.

Algumas perguntas para responder antes de iniciar um Discovery
Nota: nem sempre uso todas essas perguntas em todos os casos. Essas são algumas das que tenho anotado e que sempre consulto quando recebo alguma demanda para descobrir algo, ou quando sinto que precisamos fazer um discovery. Nem sempre respondo todas, mas a maioria precisa ser considerada. Também vale reforçar que essa lista não é exaustiva. Pra mim, elas funcionam como um norte: um guia para ajudar a seguir com a etapa de descoberta com mais clareza e foco.
Lista de perguntas
- Temos um plano claro para esse discovery ou ele é aberto, sem objetivos definidos?Sabemos o que queremos descobrir? Estamos buscando entender concorrentes, validar viabilidade, explorar o produto, ou algo mais?Por que esse discovery precisa ser priorizado agora? Qual urgência e/ou impacto ele tem?Qual problema queremos resolver com esse discovery? Ou queremos descobrir um problema?Quais hipóteses já temos sobre esse possível problema ou oportunidade?Qual é a visão do produto em relação a esse possível problema? Como ele se encaixa na estratégia?Como o negócio se relaciona com esse possível problema? Quais impactos ele gera para a empresa?Quais soluções existentes podemos aproveitar, sem precisar criar algo do zero? (uso em casos específicos)Que informações técnicas e de negócio já temos sobre o tema?Quem são os principais stakeholders envolvidos e qual o papel deles nesse discovery?Quais riscos ou limitações precisamos considerar antes de começar?Como vamos medir o sucesso desse discovery? Que resultados esperamos ao final?
O processo que sigo para responder essas perguntas é bem simples. Normalmente, eu envio essa lista para a pessoa/time de produto e pergunto se eles conseguem responder… Se não conseguem, a gente marca uma reunião para discutir tudo com mais calma e aí, durante essa conversa, podemos até responder juntos.
Agora, se a maioria dessas perguntas ficar sem resposta, o processo já muda. Talvez o discovery precise ser outro, ou talvez seja preciso primeiro alinhar melhor o que realmente quer ser alcançado.
E se ninguém souber responder nada… talvez o problema não esteja na necessidade de fazer discovery, e sim na forma como o produto está sendo gerido (escrevi isso e saí correndo!).
Muita gente me procura querendo aprender a “fazer discovery”, pedindo métodos, templates, passo a passo… Mas talvez a pergunta mais importante não seja “como fazer”, e sim “como pensar”. Antes de qualquer técnica, vem a atenção aos detalhes, a escuta ativa, a leitura de contexto… O discovery começa quando o time se permite questionar com intenção e aprender com abertura.
Mas e você, como faz? Quando chega uma demanda de discovery, qual é o seu primeiro passo? Você costuma participar das conversas desde o início ou recebe tudo já pronto? Costuma ter espaço pra questionar, entender, propor? Como você vive o discovery no seu dia a dia?
Qual a maturidade de pensamento de design da sua equipe?
Resgatei esse artigo dos meus rascunhos após uma conversa descontraída e repleta de desabafos com a Beatriz Miranda (Bea) :)
Referências
- Doing Discovery Well: How to Measure and Guide Your Team | Product TalkStop Design Thinking From Becoming ‘Innovation Theater’ | DelveProduct Mindset vs. Project Mindset — ProductPlanProduct Thinking and Design Thinking: Are they they same?How Design Thinking Transformed Airbnb from a Failing Startup to a Billion Dollar Business
Discovery é feeling: um convite ao verdadeiro Design Thinking e Product Thinking was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.