Uma reflexão sobre a complexidade do Design, a ilusão da automação total e o que realmente está em transformação.

Recentemente, me deparei com o artigo “I Tested Google Stitch AI and Discovered (The End of UI Designers)”. Provocativo e com um título que sugere (ou talvez comemore) o “fim de designers de UI” (User Interface) graças ao avanço da ferramenta Google Stitch (que não havia sido lançada nem há dez dias, mas já estava recebendo a promessa de finalizar uma área do Design). Escrito por um autor que se titula como Software & AI Automation Engineer, Writer & Educator — não vi “Designer” na lista, mas já estou acostumada com revelações no Design feitas por não Designers (com caixa alta mesmo). E tudo bem, já desencanei com isso; fui até o fim.
Enquanto lia, lembrei de um exercício recente de escrita e pintura. Sim, analógico mesmo, usando uma caixa de lápis Caran d’Ache que ganhei há mais de 15 anos e segue perfeita.

Para quem não conhece, a Caran d’Ache é uma marca suíça com mais de um século de tradição. Seus lápis são reconhecidos pela precisão, pigmentação, ergonomia e textura.
Cada detalhe é pensado não apenas para entregar uma boa ferramenta de desenho com cores vivas, mas para proporcionar uma experiência sensorial exclusiva — com ou sem água, com pincel ou não, em diferentes tipos de papel. Há outras marcas que também entregam artefatos que riscam o papel. Mas poucas o fazem com tanta atenção ao processo, à pesquisa e à relação entre criador e ferramenta (e não, isso não é uma publi).
Essa lembrança me levou diretamente ao que mais me incomoda quando leio expressões como “o fim dos designers de UI” ou “o fim do design”. Seja ele digital ou não, qualquer generalização desse tipo parte de um lugar comum e reducionista.
A mania de fatiar a caixa de lápis de cor
O design digital desenvolveu, ao longo dos anos, uma certa compulsão pela especialização. UI, UX, pesquisa, dataviz, conteúdo, interação, product designer… Cada uma dessas áreas tem valor técnico e contribuições específicas — mas todas fazem parte da mesma caixa de lápis de cor. Separá-las como se fossem entidades isoladas enfraquece a potência do design como prática holística e relacional.
Não é apenas um ou outro conhecimento isolado que entrega valor. O impacto real do design vem da articulação entre saberes, da colaboração entre pessoas e disciplinas.
Isso inclui desenvolvedores, clientes, analistas, gerentes de produto e, claro, os da ponta final — que também motiva o início de tudo: quem vai usar o que estamos projetando.
Designers de interface não desenham apenas belezas com autolayout
Designers de UI não estão ali só para desenhar botões ou dashboards bonitos, por exemplo. Também pensam em consistência visual, legibilidade, acessibilidade, identidade, fricção e resultado. Analisam dados, refinam interações e tomam decisões baseadas em contexto.
São facilitadores de experiência, não apenas geradores de mockups.
Ferramentas como o Google Stitch (e, em breve, o Figma Make) são capazes de “automatizar a tradução de intenções básicas em layout e código”. E sim, isso é um avanço técnico importante.
Confundir esse processo com “design” em sua totalidade é como dizer que imprimir uma ilustração é o mesmo que compor uma obra original.
A IA não sabe porquê certas decisões são melhores. Ela prevê padrões com base em dados anteriores. Ela “quase” não percebe contexto, não entende cultura, propósito, nuance. Ela não questiona.
UI sem pensamento crítico vira skin
O fim dos designers de UI ou o começo de algo maior? A ideia do “fim do design de UI” é, no fundo, sensacionalista.
O que realmente está em curso é a evolução do papel dos designers.
Designers são importantes (talvez mais do que nunca) para:
- Criar prompts eficazes,Interpretar resultados com contexto,Ajustar decisões automatizadas com responsabilidade,Orquestrar experiências significativas, éticas e inclusivas.
Mais do que construir telas, designers curam e projetam sistemas — e não fazem isso a sós. O design é um ato colaborativo. Aproxima pessoas. Revela complexidades que um algoritmo sozinho não pode enxergar.
Design é meio, não fim
A prática do design é feita de intuição, contexto, escuta, refinamento e experiência vivida. Então, quando li aquele título e vi seus mais de 200 aplausos, pensei no quanto ainda nos empurram para um reducionismo que insiste em “separar as cores” da profissão ou para previsões apocalípticas na área devido ao ferramental.
Como se o design pudesse existir isolado, descolado de pensamento crítico, de colaboração entre equipes, de intencionalidade no fazer.
Talvez o que esteja acabando não seja o designer de interfaces, que entrega resultado visual no Figma ou noutro lugar, mas sim a ilusão de que ele pode existir sozinho ou apenas com esse conhecimento.
Ou a ilusão de que basta dominar ferramentas, seguir KPIs ou outros botões mágicos do momento. E não, não quero dizer que autolayout não é importante ou que KPIs não servem. O que faz falta é termos clareza do que estamos fazendo com intenção e bagagem como profissional multidisciplinar; seja com lápis de cor ou pixels.
Referências
- Njenga, J. (2025). I Tested Google Stitch AI and Discovered the End of UI Designers. Generative AI.Caran d’Ache. (s.d.). Nos savoir-faire. Caran d’Ache Switzerland.Figma. (2025). Figma Make.
“O fim dos UI designers”. Será mesmo? was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.