Para o bem-estar de quem faz UX, é preciso ter expectativas realistas, processos humanos e construir uma comunidade online melhor.

Designers estão sempre se preocupando em entregar a melhor, mais agradável e mais eficiente experiência de uso enquanto, frequentemente, estão trabalhando em ambientes caóticos. Por exemplo:
- Já passou por algum lugar onde tinha pressão para criar algo inovador em prazos curtos?Falta de autonomia nas decisões?Falta de acesso aos usuários?Pressão para criar maturidade de UX na empresa?Objetivos não claros?Constantemente tendo que defender o usuário sem apoio interno?Demandas fora da área de design?
Pois é. Mas…
“Tudo o que se percebe é felicidade por todos os lados, não é?
Em todo lugar, só se vê designers postando sobre trabalhar em grandes empresas, mudanças de emprego super legais, promoções ou cursando uma graduação na área.
Tudo e todos parecem estar indo bem. Ficamos com a impressão de que tudo é perfeito — criando telas impecáveis, trabalhando em escritórios descolados, fazendo brainstorms e usando Macs novinhos em folha, porque somos designers e somos descolados!”
— Do we even talk about UX Designers and their mental health?
A realidade é que o trabalho por si só de quem trabalha com produtos digitais já demanda bastante da carga cognitiva.
Estamos o tempo todo recebendo algo desorganizado, complexo, frustrante e temos que, como se fosse apenas usar uma varinha mágica (talvez a da IA agora), entregar uma solução que remova ao máximo todas as complexidades para o usuário final e que renda muito dinheiro para o negócio.
Quando estamos o tempo todo facilitando a vida das outras pessoas, a sensação é que não tem ninguém (nem nós mesmos) facilitando a nossa própria.
Relações de trabalho no Brasil
O Brasil como um todo tem a cultura de exploração do trabalhador enraizada. Sempre foi assim.
Boa parte das empresas extrai tudo o que podem de um trabalhador e isso causa adoecimento mental. Não à toa o Ministério do Trabalho divulgou os seguintes dados; considerando os acidentes de trabalho de 2022:
- “Outros transtornos ansiosos” representaram 3,78% do total de adoecimentos (3° lugar), perdendo apenas para Dorsalgia e Lesões do ombro.“Episódios depressivos” e “Reações ao estresse grave e transtornos de adaptação”, que representaram 2,32% e 2,25% respectivamente.Se somarmos os transtornos mentais referidos, eles figurariam em 2° lugar, representando 8,35% dos adoecimentos ocupacionais em 2022.

Designers, a NR-1 (norma de base para todas as outras normas de segurança e saúde no trabalho) agora inclui os fatores psicossociais como parte do gerenciamento de riscos ocupacionais no Brasil. As empresas terão até maio de 2026 para se adaptarem.
Alguns fatores psicossociais de risco podem levar ao adoecimento mental de acordo com o Ministério do Trabalho no Brasil:
- Assédio de qualquer natureza no trabalho,Má gestão de mudanças organizacionais,Baixa clareza de papel/função,Baixas recompensas e reconhecimento,Falta de suporte/apoio no trabalho,Baixo controle no trabalho/falta de autonomia,Baixa justiça organizacional,Baixa demanda no trabalho (subcarga),Excesso de demandas no trabalho (sobrecarga).
Com isso, me pergunto:
Como podemos criar ambientes mais saudáveis para designers fazerem o trabalho sem que isso aumente absurdamente a carga de estresse?
Demissões e a busca por emprego
Quem passou pelas demissões em massa sabe bem como é.
O desemprego por si só já causa um efeito negativo na saúde mental. O estresse da incerteza sobre quando será possível retornar ao mercado de trabalho e também sobre até quando haverá dinheiro para pagar as contas, foram preocupações que muitos designers vieram passando ao longo desses últimos três anos.
Tem inúmeros artigos no UX Collective sobre relatos de demissões, onde as pessoas contam como foi a experiência de ver colegas sendo demitidos e também sobre a própria demissão.
Ser uma profissional de alta performance não me salvou de um layoff
Além disso, a experiência de buscar um emprego pode ser extremamente desgastante, já que, atualmente, é comum enviar centenas de currículos e receber apenas respostas genéricas sobre a aplicação, faltando um mínimo de empatia com os candidatos.
A título de exemplo:
Sou de Natal, Rio Grande do Norte (Região Nordeste; não Norte), portanto, meu sotaque é natalense. Certa vez, fui chamada para uma entrevista que, quando entrei na ligação, nas primeiras frases que troquei com quem então iria ser meu colega de equipe, ele solta um:
“Hoje vai ser bom, vai ter muito sotaque pra dar risada aqui”.
A fala me deixou nervosa. Não consegui responder às perguntas direito e tudo o que eu queria era sair o mais rápido dali. Pensei que xenofobia não era mais uma opção na área de design, mas pelo o que experienciei, estou absurdamente enganada.
A gente fala tanto em inclusão e montar times diversos, mas por que parece que tudo isso não passa de uma ilusão?
Fiquei pensando em quantas vezes meu sotaque pode ter sido um fator de influência para me darem uma negativa em uma posição de emprego e nas portas que se fecharam simplesmente por eu preferir estar no lugar onde nasci.
Ou seja, algumas entrevistas podem ser péssimas, te colocando ainda mais no estado de ansiedade e tristeza.
Então, desde processos de demissão a processos de contratação, parece haver um vazio absurdo onde não se ajuda realmente as pessoas que estão procurando emprego.
Como poderíamos criar processos que realmente ajudem as pessoas que estão em busca de recolocação?
Como fazer com que os processos seletivos sejam mais inclusivos, respeitosos e que tenham consideração pelo candidato ao dar um feedback real sobre sua aplicação?
Na era da automação com IA para seleção de currículos, não deveríamos supostamente estar com mais tempo para fazer o que nos torna mais humanos?
Comunidade de UX no LinkedIn
Vou ser bem honesta: uma parte da comunidade brasileira de UX, UI, product ou whatever design no LinkedIn pode prejudicar bastante a saúde mental.
E falo brasileira, não porque tenho síndrome de vira-lata. Falo porque é a comunidade onde estou inserida. Moro no Brasil. Trabalhei em e (na maior parte da minha trajetória) para empresas brasileiras.
Em 2024, precisei utilizar muito o LinkedIn. Passei horas e horas procurando novas vagas de emprego ali. Foi aí que comecei a perceber um padrão: Alguns designers utilizam a rede social para diminuir outros designers.
Seja realmente os chamando de ‘rasos’, ‘medíocres’, ‘medianos’, ou simplesmente com discursos como ‘se um designer não souber disso, ele não merece ter um emprego — eu não contrato’.
Não percebem que ter um emprego não é uma questão de merecer ter. É um direito humano básico.
Geralmente, o alvo das críticas é algo relacionado ao design visual, ou utilizar o Figma, a não estar aprendendo prompt de IA (como se fosse a coisa mais difícil do mundo), ou a supostamente não estar tendo pensamento estratégico, como se o designer visual ou o que não segue certos métodos fosse a ‘vergonha da profission’.

E eu entendo completamente por qual motivo designers no LinkedIn fazem isso. Querem mostrar que sabem mais de um determinado assunto do que outras pessoas. Querem se tornar referência, uma voz de relevância. O mercado é competitivo e temos que defender o nosso espaço, eu sei.
Mas será que já pararam para pensar em qual tipo de sentimento estão gerando nos seus colegas de profissão, ao tentar construir uma “marca pessoal” em cima de uma narrativa onde se usa o recurso de diminuir a função, trabalho e nível de conhecimento dos outros?
Por que não simplesmente construir uma voz de autoridade ensinando algo que sabe muito?
Quer que designers saibam mais de estratégia? Ensine a estratégia, então.
Precisa xingar ninguém não.
Mas parece que não engaja, né? Entendi.
“Comunidades podem oferecer uma ajuda essencial quando você está enfrentando situações novas ou difíceis. Elas proporcionam apoio emocional, conselhos e um senso de pertencimento.
Tudo isso contribui para que você mantenha a resiliência diante dos desafios da vida pessoal ou profissional.
É por isso que estudos indicam que fazer parte de uma comunidade melhora sua saúde mental e sua felicidade.”
— Tiny Experiments, Anne-Laure Le Cunff
Por isso, fico pensando em como poderíamos construir uma comunidade online que apoie, que compartilhe conhecimento sem diminuir, que não crie alardes e catástrofes sobre o futuro da profissão. Que não julgue profissionais que estão fazendo o que podem com os recursos que têm.
Sabe, todos estão tentando sobreviver no Brasil. E sobreviver no Brasil já é algo difícil pra caramba. Por enquanto, o que temos como alternativa é o maravilhoso botão de unfollow.
Que a gente siga pessoas, páginas e entre em grupos que falem sobre assuntos que a gente queira aprender e refletir de forma saudável.
Que a gente pertença a comunidades que nos façam florescer, não nos diminuir.
A nossa saúde mental agradece. 🧡

Referências e outros links
- Guia de informações sobre os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho. 2025. Ministério do Trabalho e emprego — Governo federal do Brasil.Tiny Experiments. 2025. Anne-Laure Le Cunff.Inclusão de fatores de risco psicossociais no GRO começa em caráter educativo a partir de maioSer uma profissional de alta performance não me salvou de um layoff5 Easy ways UX designers can maintain a good mental healthSíndrome de Burnout e Saúde Mental no DesignUX Design For Mental Health: A Path To Better Workplace Well-BeingQuando a liderança é o problema: o impacto de gestores ruins em times de DesignEla falou que sabia que uma nordestina não ia se adequar àquele trabalho.
Designers, vocês estão bem? was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.